Rio de Janeiro

A beleza das cores das aves amazônicas pode estar ameaçada pelo aquecimento global

Anambé-azul (Cotinga cayana). Espécie frugívora alimentando-se de açaí. Foto: Leonardo Miranda.

Texto: Leonardo Miranda

A Amazônia é a região mais diversa do planeta, podendo abrigar um terço das formas de vida da terra. Não bastasse isso, ela é uma das principais responsáveis pelo equilíbrio climático global, pois sua vegetação é responsável por grande parte da absorção do gás carbônico (um dos gases responsáveis pelo aquecimento global). Contudo, seu papel na manutenção do clima está em cheque, devido às crescentes taxas de desmatamento que vêm transformando a paisagem amazônica. O próprio desmatamento em si já é uma grande ameaça à biodiversidade pela perda de ambientes naturais, mas também é um agravante para o aquecimento global, pois converte a floresta numa fonte de emissões de gases estufa em vez de ser um sumidouro desses gases. Vale destacar também que essas mudanças no uso da terra não são uniformes e são mais altas e frequentes no sul e sudeste da Amazônia (região popularmente conhecida como arco do desmatamento).

Área desmatada no bioma Amazônia até 2018 destacada em amarelo. Fonte: PRODES, http://terrabrasilis.dpi.inpe.br.

Nosso conhecimento tem avançado muito a respeito das possíveis consequências do aquecimento global para a humanidade, mas como diferentes cenários de mudança climática podem afetar a biodiversidade amazônica? Essa foi a pergunta que os pesquisadores  Leonardo Miranda, Vera Imperatriz-Fonseca e Tereza Giannini fizeram no trabalho que acabou de ser publicado na revista PLoS ONE (https://doi.org/10.1371/journal.pone.0215229). O trabalho avaliou potenciais mudanças nos habitats de 501 espécies de aves que ocorrem no sudeste da Amazônia para estimar quais os possíveis impactos do aquecimento global.

As mudanças climáticas não só ameaçam os habitats de nossas aves e outros animais, como também a própria capacidade de adaptação, sobrevivência e, consequentemente, os benefícios que eles nos oferecem – como a dispersão de sementes, a polinização, o controle de pragas, entre outros. Para aqueles que tiveram o privilégio de ver uma araponga-da-amazônia e/ou um araçari-de-pescoço-vermelho, saibam que essas espécies enfrentam um futuro muito incerto.

Araponga-da-amazônia (Procnias albus). Foto: Leonardo Miranda.

 

Araçari-de-pescoço-vermelho (Pteroglossus bitorquatus). Foto: Leonardo Miranda.

De acordo com os resultados da pesquisa, a biodiversidade de aves será afetada negativamente nos próximos 30 anos e tudo tende a piorar (como era de se esperar) com o tempo e se não repensarmos a nossa forma de consumo atual. A dispersão de sementes poderá ser o benefício mais afetado, pois as espécies frugívoras que realizam esse serviço, aquelas que se alimentam preferencialmente de frutos, potencialmente terão as maiores diminuições de áreas adequadas. A reprodução de grande parte das plantas depende basicamente de dois serviços: a polinização e a dispersão das sementes. Uma diminuição na oferta desses serviços significa comprometer a reprodução das plantas levando a menor produção de frutos e menor espalhamento das sementes. Isso por sua vez compromete a própria manutenção e funcionamento do ecossistema, virando uma bola de neve.

Anambé-azul (Cotinga cayana). Espécie frugívora alimentando-se de açaí. Foto: Leonardo Miranda.

A pesquisa também reforça a importância das áreas protegidas. Especialmente pensando em mudanças climáticas futuras, é importante considerar se as atuais áreas protegidas serão efetivas. Por exemplo, estimamos áreas que serão climaticamente estáveis e, de acordo com nossos resultados, pouco mais de 50% dessas áreas se sobrepõem com áreas protegidas. Por outro lado, os outros quase 50% ou não estão protegidos, ou não possuem cobertura vegetal. Com isso podemos sugerir políticas públicas diferenciadas para o manejo (conservação/restauração/reflorestamento) e manutenção de áreas protegidas baseadas em dados e evidência científica.